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Alice e sua Sombra

Alice não é Ágata.
Alice não é Renata, Débora, Aline, Ana e muito menos Carolina.
Alice não é bailarina, professora de forró, santa ou indulgente.
Alice é só Alice mesmo. E mais nada.
Por enquanto...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Alice e seu abandono

se me abandonou foi porque quis. eu era muito pequena pra tomar decisões. eu era muito ingênua pra ver relações massacrantes além da minha. eu era uma menina. e você foi embora. e pior: foi embora aos poucos, como que para me acostumar com a sua falta. foi embora sem dizer tchau. só dizia até logo. mas foi indo. e até logo cada dia era mais distante, mais longe de mim. e você se arrumou por lá, aí onde está agora e me deixou aqui. também tive de me arrumar.

por aqui as coisas eram difíceis de entender. eu era muito pequena, menina boba. e achava que era, sim, por minha causa. foi por não gostar mais de mim que foi embora. que arrumou suas coisas sem que eu visse.

só vi mesmo o vazio do seu armário. as portas abertas e nenhuma camisa de gola. nenhum sapato bico fino. nenhum cinto marrom-preto. nada das suas coisas de barbear ou de engraxar sapatos. não vi seus tênis de correr.

e aí eu corri. desci as escadas como se não existisse elevador. foram cinco lances até a garagem. e aí eu vi que o carro azul não estava lá. e procurei com desespero a sua bicicleta. era nossa aquela bicicleta. mas só estava a minha lá. azul, com cestinha branca e fitinhas penduradas. abandonada. você foi embora e abandonou até a minha bicicleta que nunca mais saiu de lá. deve ter ficado pra presente para outras crianças do prédio onde morávamos em plena harmonia. junto com todas as outras coisas que você deixou também. junto com as brincadeiras de cosquinha. junto com os vinis do caetano. junto com os livros assinados “arnaldo e data”. junto com o que me lembro de ter com você. junto com as aulas de violão que eu não gostava e aulas de fração que eu não entendia. junto com a sua aprovação para fazer as coisas que só você podia aprovar.

e foi.

hoje, que não sou mais menina boba, ainda sinto falta das coisas bobas daquela época, antes de você ir. sinto falta do seu cheiro, do seu colo, das brincadeiras à toa. até sinto falta das aulas de violão.

hoje, que já aprendi fração e decimais ainda tenho receio de me dizer “não, não pode”. ainda me sinto acuada quando penso que fiz alguma coisa errada e que, se você não tivesse ido embora de mim, me colocaria de castigo.

hoje, mulher, ainda me sinto menina. boba. criança. quando penso que você me deixou e foi fazer outras coisas da sua vida. e isso não foi certo. porque não vamos mais fazer passeios ciclísticos, soltar pipa ou quebrar casquinha de ovo pra ver pintinho nascer no galinheiro do sítio.

porque hoje, que não sou mais menina boba, mulher, já crescida, sei que nunca vai preencher o espaço que deixou.

então comecemos por aqui. do que quer brincar agora?

5 comentários:

  1. De tudo o que já vivi com Alice
    De tudo o que já ouvi de Alice
    De tudo o que já li de Alice... esse é, sem dúvidas, o mais original!!! É lindo!!! Alice, vc não faz idéia de como esse post me fez olhar para as coisas simples com outros olhos e os mais importante: sim! É possível recomeçar a brincadeira.

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  2. Me fez ir longe agora... De fato, o seu melhor texto até aqui. Bjus.

    http://contesta-acao.blogspot.com

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Quem falou aí?

Janela da alma... E sombra.

Janela da alma... E sombra.

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