Voltava da padaria como fazia todas as manhãs. O caminho era o mesmo, a sacola de papel com os pães do desjejum em punho e o jornal da banca da esquina. Chegaria em casa e faria o café de cheiro mais forte pra acordar e sentir-se viva porque este seria um dia longo e precisava de vida.
Dias meio cinzas, meio com cara de arco-íris escondido... Era dia de nada. Nestes dias que o ar parecia escasso e rarefeito, evitava o cigarro das manhãs, apesar de tê-lo sempre num bolso qualquer.
Passara pela banca, onde pegava com o jornaleiro o seu exemplar já separado. Nada de novo. A não ser por Ele. Ele que interrompeu seu caminho com um assovio, que sabia, só poderia ser Dele. Era um assovio Dele para Alice. Era sempre Dele pra ela e não imaginaria que pudesse chamar outra pessoa da mesma maneira.
Dias assim merecem um pouco mais de nitidez. Bambeou as pernas e deixou cair o jornal que Ele ajudou a pegar, aproveitando pra ler o caderno de Economia, coisa que sabe-se lá o porque, sempre gostou. Dias assim são pedaços de tempo que se perdem no meio do nada. São como partes de outro tempo que ecoam no dia de agora. Pegou o jornal pra si e titubeou quando olhou bem nos olhos Dele. Não disse nada. Não havia o que dizer. Só estranheza.
Ele disse "veja só, que coisa, não?", "eu passei pelo lugar errado, acabei aqui nesta praça e, quando dei por mim, vi você passando, tão clara e serena como sempre, singela e distraída", "e aí, o que faz por aqui?", "ah, você mora ali, eu sei, mas conta mais!", "hoje é meu aniversário, lembra?". Não, não lembrava e nem lembraria. Lembrava de tudo, do cheiro Dele, do jeito de pegar, do beijo, das mãos, do relógio que ele tanto amava, das suas músicas preferidas... Mas aniversário não... "Toma meu cartão e me liga para tomarmos um vinho qualquer dia", "agora tenho que ir".
Pediu um abraço. Que pôxa!, era aniversário e seria um abraço inegável. Abraçou aquele corpo estranho com aquele cheiro de sempre e Ele disse: "errei o caminho só pra te encontrar", "é porque quando a gente caminha certo só aparecem (e voltam) pra gente as coisas boas", "pense nisso", "se eu não entrasse naquela rua errada da avenida eu não teria você de volta pra me dar um abraço".
Do mesmo jeito, com sorriso de sem graçeza e espantada que o encontrou ficou. Ele foi embora para o destino correto e ela: certa de que o destino dava voltas e hoje lhe deu um abraço de cair jornal no chão. Mas ainda não entendia como haveria deste ponto ir e vir, num período sem tempo, de voltar e lhe cortejar, provocar, brincar e ir embora.
Segurando firme os pães e o jornal matinal só respondeu "tchau" depois de vê-lo atravessar a rua, entrar no carro e partir. Ascendeu o cigarro matinal antes mesmo do café de cheiro forte. Aliás, tomaria um chá. Este dia já não era mais dia de café de acordar para a vida. A vida estava ali, a lhe tropeçar e assoviar pela calçada. Não pode esconder um sorriso de canto de boca. Apertou o passo e foi-se embora.
É impressionante como a vida nos impõe surpresas, não é mesmo. Já passei por algo parecido, aliás, quem nunca viveu tal cena. Tem texto novo no Sub Mundos. Bjus.
ResponderExcluirhttp://submundosemmim.blogspot.com
Gostoso de ler Alice...Ficção? Realidade? Não importa. Abracei o seu momento. Bjs.
ResponderExcluirlike ur writing style..it's the real deal. just keep on writing...
ResponderExcluirAdorei o conteúdo do seu blog!
ResponderExcluirJá é tarde e eu não paro de ler...
Agora vou dormir e amanhã voltarei a ler, parabéns Raquel Duartt