Aí
um dia ela olha no jornal as notícias de ontem. E das notícias de ontem tira
conclusões de amanhã que já é hoje. E embola. Bagunça. Escurece.
Escure
as vistas, enrola a língua, a garganta aperta, o corpo treme por fora, os olhos
umedecem e a voz some, o mundo para e parece que ela nunca mais vai ser feliz
de novo.
É
quando o tempo para em Alice.
E
depois que o tempo para nela, ela desperta e pensa que jogou a vida toda fora
enquanto o tempo andava lentamente, antes de parar. E este tempo que já passou
foi para o buraco da sua existência. Um buraco lixo de Alice. Anos de tempo no
seu buraco. E ainda insiste em pensar em tudo de ruim deste tempo, como se
assim, ele deixasse de existir por si só. E consequentemente o buraco
desenchesse de tanta ladainha.
É
quando o tempo para em Alice.
Aí
um dia ela sente-se abandonada, sozinha e largada pela vida. Sente-se
injustiçada e impunemente maltratada. Ninguém ligou para saber dela, das suas
alegrias e nem das suas dores. Ninguém ligou ou mandou uma mensagem. Aí neste dia, estropiada e amargurada, sente uma enorme vontade
de vomitar todo o gosto podre do lixo de tempo em quem lhe causa tanta dor. Mas o que queria mesmo é ter a bendita coragem de dizer, sem
pudor, “vem ficar comigo”.
É
quando o tempo para em Alice.
Blasfêmia
que este tempo de lixo era para Alice! Um grande amor que não termina com o
feliz para sempre. Ocupou seus dias enamorados, seus dias de pipoca e filme de
domingo e até mesmo seus dias chatos e desentendidos. Alice não queria, mas
sentia era raiva. Não era pessoa pequena que se encaixasse na velha fábula de
um dia da caça e outro do caçador. Todo dia era dia dela. Ela, que sempre se
virou, não era mulherzinha que corre e pede arrego quando transborda. Faz é
remenda e conserta. O outro que viesse em rastejos e socorros e pedisse aquele
beijo que faltou. E ela não daria.
Alice
não era gente que se estratifica em prazer e perdão. Alice não aceitava menções
de que habitava o lugar comum de quem sofre de dor de amor. Haveria de ser
diferente. Afinal, a escolha era dela. E dele. Eles é quem desistiram deles.
Ela disse não. Ele também disse não. Haveriam dito mesmo?
É
quando o tempo para em Alice.
Aí
um dia ela não ligou mais e ele não deu mais bom dia. Aí ela não sabia mais se
ele ia fazer trilha de moto e ele não sabia mais se ela tinha cortado os
cabelos. Não sabiam mais chorar juntos. Cansaram da rotina dos almoços em
família, de apoiar os sonhos sonhados e nem realizados. Aí um dia eles não
queriam mais ficar no para sempre.
O
danado do tempo passa com uma rapidez que nem jornal acompanha este furto de
sorrisos bestas de gente picada pela paixão. Aí passou a sexta, o sábado e o
domingo. Aí passou e foi passando e passando o tal do passado, acaba mal
resolvido e empoeirado como uma lembrança torta numa prateleira no fundo das
ideias. Fica lá, jogado às traças que tratam de comer tudo que sobrou.
É
quando para tudo. Para o tempo e a respiração de Alice. O passado dói, então,
como em todo mundo. E dói salgado pelo rosto e apertado no peito. Dor que não
tem apoio de aconchego ou abraço apertado com o cheiro daquilo. É quando o
tempo para em Alice. E é quando Alice finalmente chora de coração partido.
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